Davi Pereira Júnior, de 39 anos, foi aluno da Universidade Estadual do Maranhão, em Caxias, e conquistou a oportunidade de cursar um doutorado pleno no Instituto Teresa Lozano de Estudos Latinos Americano (LLILAS), do Colégio de Artes Liberais, da Universidade do Texas, em Austin, EUA. Conheça sua história:
Minha decisão de estudar no exterior foi extremamente planejada e negociada, por várias razões. A primeira é que tinham quatro possibilidades de estudar fora, sendo duas nos Estados Unidos, uma na Europa e uma na América Latina.
A possiblidade de estudar nos EUA se apresentou em um congresso no Rio de Janeiro, em 2010, quando fui apresentar meu primeiro livro Quilombolas de Alcântara: Território e Conflito (2009). Este livro foi resultado das atividades de pesquisa do Grupo de Estudos Socioeconômicos da Amazônia (GESEA), do Centro de Estudos Superiores de Caxias (CESC/UEMA) e do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA). Tanto o livro, como as pesquisas desenvolvidas no GESEA e no PNCSA-MA, me proporcionaram uma vida “cosmopolita”, enquanto estudante de história do CESC-UEMA, pois pude viajar quase toda América Latina.
Após o término da minha apresentação, o professor Charles Hale, então diretor do Instituto Teresa Lozano de Estudos Latinos Americano (LLILAS) e da Coleção LLILAS/BERNSON, do Colégio de Artes Liberais da Universidade do Texas, conversou comigo sobre o meu trabalho e sobre a possiblidade de estudar na UT, mas naquele momento eu não levei a sério. Um ano depois, a UT me enviou um e-mail com um convite para um evento deles na Colômbia, mas achei estranho e não respondi. Após insistência deles, liguei para o professor e coordenador do PNCSA, Alfredo Wagner, que me esclareceu que era mesmo um contato da própria UT. Então, eu fui à Colômbia e tive um contato com o professor da UT, Bjorn Sletto, e alguns estudantes de lá.
Até 2014, tempo que houve algumas conversas entre mim e os professores Hale e Sletto, minha recusa era devido à preocupação em não me adaptar a uma vida no exterior, principalmente, por não ter domínio do inglês. Mas, 2014 foi o ano decisivo com a vinda do professor Charles Hale ao Brasil. Reunimo-nos no Rio Grande do Norte e acordamos que, no verão, eu iniciaria as aulas de inglês pela UT e ficaria para o doutorado. E assim fizemos.
O LLILAS providenciou toda parte burocrática do visto, colocou toda a documentação em ordem e eu só tive que ir ao Rio de Janeiro para a entrevista do visto no consulado e na embaixada, que demorou pouco mais de 10 minutos. Todo o processo foi monitorado pelos professores Hale e Sletto. Quando eu cheguei em Austin, o professor Sletto me recebeu no aeroporto e eu fiquei, durante o verão, morando em um apartamento de um estudante equatoriano, que falava português, o que me ajudou muito nos primeiros dias.
Como é o intercâmbio na UT
O processo normal de recrutamento da Universidade do Texas é voltado para talentos do esporte nos Estados Unidos e no mundo. Mas alguns departamentos de excelência da UT possuem outros meios de recrutamento, como no LLILAS, que se interessa por intelectuais latinos ou que morem na América Latina e que desenvolvam estudos de excelência acadêmica nos seus campos de estudos com ênfase em humanidades, ou então, intelectuais que combinem ativismo ou pertencimento étnico com produção acadêmica em defesa de seus grupos.
A condição de recruta é extremamente rara, sendo o mais usual o acesso ao programa pela via de aplicação normal da universidade, que ocorre todo ano, entre setembro a dezembro, com a possibilidade de entrada de até quatro estudantes no doutorado. O programa dura entre 5 a 7 anos. Para os estudantes recrutados, geralmente, o programa oferece os dois primeiros anos de bolsa sem cobrir os verões (período de férias), mais a possibilidade de aperfeiçoamento do inglês acadêmico. Nos anos restantes, o comum é os estudantes passarem a trabalhar como professor assistente.
O LLILAS possibilita a entrada na universidade e o doutorado é interdisciplinar, com três habilitações e cabe a cada estudante, juntamente com seu orientador, focar na área de interesse de estudos.
Com relação à moradia, o comum é dividir casa com outros estudantes nos bairros mais próximos às universidades. Geralmente, as imobiliárias seguem uma lógica de divisão que agrega estudantes de graduação e pós-graduação em áreas específicas da cidade. Com relação à alimentação, tem uma infinidade de restaurantes de todas as partes do mundo, mais é muito caro. O comum é os estudantes cozinharem ou tornarem-se vegetarianos, devido à inclinação dos moradores da cidade ao movimento vegano.
A cidade de Austin é relativamente pequena, o que facilita no deslocamento. Há cerca de 700 parques e áreas verdes, ciclovias. A universidade possui academias, parques aquáticos e esportivos para qualquer tipo de esporte. Os estudantes da UT podem circular pela cidade usando qualquer tipo de transporte público gratuitamente.
História de vida
Uma das primeiras coisas que percebi era que eu não estava preparado para estudar em uma universidade no exterior. E eu realmente nunca estaria, e nunca teria ido, se não fosse a insistência dos professores Hale e Sletto e o apoio fundamental do professor Alfredo Wagner, que me ajudou em tudo.
A questão fundamental tem a ver com a minha cultura. Eu nasci em uma comunidade quilombola, mudei para São Luís aos 14 anos, porque a escola da minha comunidade só tinha até a terceira série do fundamental. Até mesmo entrar na universidade era uma realidade muito distante pra mim, então, foi um passo de cada vez, quatro vestibulares até entrar na UEMA. Após um ano, a professora Arydmar Gaioso me convidou para o GESEA e depois para o PNCSA. Eu sou fruto de uma oportunidade oferecida por uma professora em um grupo de estudos e fui aproveitando todas as oportunidades que apareceram.
Eu nunca estaria preparado para estudar no exterior, porque isso não fazia parte do meu mundo. Em um país com tanta desigualdade, segregação e racismo estrutural, quem vem de onde eu vim não tem chances de realizar quase nada, porque o tipo de preocupação está em sobreviver a cada dia e não em abrir mão de tudo para estudar.
Eu cheguei (na Universidade do Texas) sem falar nada e com um ano de inglês, iniciei o doutorado e fiz todas as cadeiras. Estudava 18 horas seguidas, virava noites sem dormir, mas dava conta dos três livros e das três resenhas por semana que os cursos exigiam.
Conexão com o mundo
Eu penso que essa parte de conhecer pessoas de vários lugares do mundo é a melhor de todas dentro das experiências que eu tenho vivenciado. Quando eu iniciei na escola de inglês, foi muito interessante conviver com árabes e asiáticos, seres humanos de lugares extremamente diferentes, mas com quem consegui estabelecer relações de amizades valorosas que eu vou levar para o resto da vida. Conheci pessoas fabulosas e contei com a solidariedade de muitas delas.
A priori, (minha comunicação) no LLILAS nunca foi um grande problema, porque é tradição do instituto permitir que cada estudante se comunique em sua língua nativa, e como é um instituto de estudos latinos americanos o português fazia parte do cotidiano. Por isso, eu sempre usei o português no LLILAS.
E para quem tem interesse em fazer intercâmbio:
A primeira coisa a ser feita é escolher bem o lugar que se vai fazer o intercâmbio, colher o máximo de informação possível, ler tudo que for possível e conversar com outras pessoas que fizeram intercâmbio nesse lugar. No fim das contas, a gente só ganha, conhece muita gente boa, outras nem tão boas assim, mas faz contato e aprende muito.
Por: Raysa Guimarães